Ele estava sentado, indo para casa no ônibus que tanto demorara. Soaria poético dizer que mais ninguém estava no veículo, daria uma idéia de solidão à história, ao momento da personagem. Mas acontece que quase pendiam pessoas para fora da janela, e isso o fez se sentir ainda mais sozinho. O mundo continuava um turbilhão. Os ônibus andavam, as pessoas corriam, os vendedores de rua berravam; ninguém parecia perceber as lágrimas que saiam por detrás dos óculos escuros daquele rapaz. O mundo continuava e ninguém parava. Só ele, ficando em meio à maré. Brilhavam lembranças, eternas lembranças daquela mente. Ele poderia estar feliz agora, mas a tristeza era cômoda. “Você que tem os dentes mais brancos. O sorriso da vida. Iluminando a estrada escura, onde me espera o lobo mal. Preciso desse sorriso de algodão, não virar jantar de lobo, não servir de mártir para o mundo”, ele pensava.
Assim como correm os predadores para suas presas com dentes ferozes, ele queria correr para os braços daquela menina. Um vício, um ciclo, um círculo que o matava com gotas da mais doce vida. Ela foi embora nas águas da maré que corriam com os ônibus, as pessoas e os vendedores de rua. Ela foi porque quis, e ele não hesitou. Agora ela era o brilho das lembranças de sua mente. A maré levou sua menina, e ela levou seu sorriso, seu assunto, seu peito, seu retrato e mais um bocado. Mas o mundo não compadecia da sua dor, e o motorista pôs para tocar uma música antiga:
Assim como o oceano
Só é belo com luar
Assim como a canção
Só tem razão se se cantar
Assim como uma nuvem
Só acontece se chover
Assim como o poeta
Só é grande se sofrer
Assim como viver
Sem ter amor não é viver
Não há você sem mim
E eu não existo sem você
A dor bateu mais no fundo, e seus dentes amarelos beberam as lágrimas com um pequeno sorriso. Ela era o brilho das suas lembranças. E pensar que toda a beleza do mundo existe sem a companhia dela é impossível. Tudo seria belo e pleno se ela estivesse ao seu lado. Mas por enquanto é tudo meio insosso. O vazio vai percorrendo o caminho que a maré ocuparia na sua vida. A sensação era que a maré afogara seus sentimentos, e lhe falta amor. E a música dizia “Assim como viver sem ter amor não é viver”. O que fazer agora? Se ela estivesse ao seu lado ele diria: “Não há você sem mim e eu não existo sem você”. Mas ela não estava. Ele, portanto, não existia. Não existir? Como saber se se existe ou não? Ele não conseguia pensar. O brilho das lembranças ofuscava seus pareceres. Malditos brilhos eternos que faziam da própria luz o recheio para o vazio deixado pela matriz dos seus pensamentos. Ela, então, o consumia sem saber. E nem era ela. Sua lembrança cegava os olhos do rapaz triste...
”Assim como viver
Sem ter amor não é viver
Não há você sem mim
E eu não existo sem você”
...
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