3.3.08

Brilho eterno de uma mente sem lembranças...

Ele estava sentado, indo para casa no ônibus que tanto demorara. Soaria poético dizer que mais ninguém estava no veículo, daria uma idéia de solidão à história, ao momento da personagem. Mas acontece que quase pendiam pessoas para fora da janela, e isso o fez se sentir ainda mais sozinho. O mundo continuava um turbilhão. Os ônibus andavam, as pessoas corriam, os vendedores de rua berravam; ninguém parecia perceber as lágrimas que saiam por detrás dos óculos escuros daquele rapaz. O mundo continuava e ninguém parava. Só ele, ficando em meio à maré. Brilhavam lembranças, eternas lembranças daquela mente. Ele poderia estar feliz agora, mas a tristeza era cômoda. “Você que tem os dentes mais brancos. O sorriso da vida. Iluminando a estrada escura, onde me espera o lobo mal. Preciso desse sorriso de algodão, não virar jantar de lobo, não servir de mártir para o mundo”, ele pensava.

Assim como correm os predadores para suas presas com dentes ferozes, ele queria correr para os braços daquela menina. Um vício, um ciclo, um círculo que o matava com gotas da mais doce vida. Ela foi embora nas águas da maré que corriam com os ônibus, as pessoas e os vendedores de rua. Ela foi porque quis, e ele não hesitou. Agora ela era o brilho das lembranças de sua mente. A maré levou sua menina, e ela levou seu sorriso, seu assunto, seu peito, seu retrato e mais um bocado. Mas o mundo não compadecia da sua dor, e o motorista pôs para tocar uma música antiga:

Assim como o oceano
Só é belo com luar
Assim como a canção
Só tem razão se se cantar
Assim como uma nuvem
Só acontece se chover
Assim como o poeta
Só é grande se sofrer
Assim como viver
Sem ter amor não é viver
Não há você sem mim
E eu não existo sem você

A dor bateu mais no fundo, e seus dentes amarelos beberam as lágrimas com um pequeno sorriso. Ela era o brilho das suas lembranças. E pensar que toda a beleza do mundo existe sem a companhia dela é impossível. Tudo seria belo e pleno se ela estivesse ao seu lado. Mas por enquanto é tudo meio insosso. O vazio vai percorrendo o caminho que a maré ocuparia na sua vida. A sensação era que a maré afogara seus sentimentos, e lhe falta amor. E a música dizia “Assim como viver sem ter amor não é viver”. O que fazer agora? Se ela estivesse ao seu lado ele diria: “Não há você sem mim e eu não existo sem você”. Mas ela não estava. Ele, portanto, não existia. Não existir? Como saber se se existe ou não? Ele não conseguia pensar. O brilho das lembranças ofuscava seus pareceres. Malditos brilhos eternos que faziam da própria luz o recheio para o vazio deixado pela matriz dos seus pensamentos. Ela, então, o consumia sem saber. E nem era ela. Sua lembrança cegava os olhos do rapaz triste...


”Assim como viver
Sem ter amor não é viver
Não há você sem mim
E eu não existo sem você”


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