25.1.12

Embriaguez de poeta


Eu me pergunto se haverá escuridão suficiente para enegrecer esta noite. É preciso estar mergulhado nas profundezas para se enxergar a consciência. Eu estou inconsciente. O corpo move-se frenético. Sob as pálpebras, olhos inquietos lambem cores e sombras. Por dentro, contudo, uma alma dorme calmamente. Somente quando todos vão dormir, que a noite já consumiu por inteiro todas as lembranças de mais um dia que passou, quando as almas todas descansam, é que desperto. Acompanhado apenas da janela, da escrivaninha e do vento sorrateiro que invade as casas. Tomo um copo d’água contemplando o negrume noturno. Interrompem apenas a lua, alguns postes vadios, a luz do prédio ao lado e uma patrulha policial que percorre a região de instantes em instantes. A gota d’água. Acaba o conteúdo do copo, mas continuo a sentir rachar a garganta. Nesta cidade nunca há frio, nunca há chuva, nunca há esperança. Só poeira e calor a encobrir e derreter tudo; a confundir os sentidos. Finda mais um copo, saio da minha contemplação diária, noturna e solitária, e volto à mesa. De alma acordada sinto meu corpo pesar, cansado pelo dia longo: não consigo conciliar carne e espírito. Nisto existe um quê de embriagues: meu corpo luta contra a fadiga enquanto que minha alma pulsa pelo desejo ativo. É por esta ebriedade que meu ser trabalha. Os poetas são seres embriagados. Não só preciso como gosto de sentir este limiar, é ele que me permite estuprar as páginas brancas afim de sangrar palavras no papel. Ideias. Não mais que pensamentos organizados. Ou desorganizados. Ainda assim, elas existem ali, materialmente, numa folha, em linguagem clara para que todos possam entender. Para que EU possa compreender. Simplesmente não há o que compreender. Um emaranhado de linhas e histórias que se tecem e se costuram e se cruzam e se dão um nó. Ainda hei de me enforcar deste emaranhado. Nem ao menos sei quando e como começo a tecer essas linhas, apenas as noto quando já estão me envolvendo. Aí já é tarde demais. A noite continua silenciosa e negra. Lembro agora o motivo que me trouxe a esta folha: organizar meus pensamentos.

As coisas acontecem em sequência, uma atrás da outra, numa grande cadeia, uma espiral sem fim onde passamos pelo mesmo ponto, mas nunca pelo mesmo lugar. Observo tudo ao meu redor e percebo que já estive aqui antes: um olhar encantador, uma infinidades de coincidências e afinidades, um mundo de promessas, verdades convenientes, histórias engraçadas, passeios interessantes e um sexo surpreendente. Tudo isso é velho, repetitivo. Mas algo me engana que não. Sei que vou quebrar a cara, mas a hipótese de contrariar minhas verdades me instiga a ir fundo atrás de mais um amor. Esse amor. Preciso beber mais água, o copo continua vazio. Seja pelo calor da noite ou pelo meu fervor inquietante, minha garganta pede água e minha alma está sedenta. A água, no entanto, não parece me saciar e começo a acreditar que minha necessidade não seja esta. Preciso de ti, beber-te por inteiro. Só a ti pede meu corpo e eu sei que essa sede é perigosa, que ela pode me arruinar, que tu és o desejo de mais um copo que se tornará intragável em breve. E qual razão tenho eu, poeta embriagado, numa noite deserta e escura, ainda por cima tomado de amor? Nesta situação só me resta deixar que se teça mais este fio que irá me fazer tropeçar. Enquanto isso deixarei meu corpo e alma em descompasso para ver se as ideias organizadas (ou desorganizadas) me façam perceber que isto tudo não basta de uma grande idiotice. Talvez amanhã, depois de dormir exausto sobre o papel, eu acorde lúcido. Por ora, tomarei mais 3 litros d’água e tentarei não acordar com ressaca de amor.




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