7.1.10

Da luz e da água. Do que faz falta

Antigamente eu escrevia. Agora arranjo qualquer subterfúgio para driblar os pensamentos. Os ignorantes são mais felizes e eu sempre fui um péssimo jogador de futebol. Não consigo driblar nada, tapeio meus anseios e não deixo de me perder. Perco também o jogo. E de ponto em ponto acabei por perder também os competidores. Inércia. Hoje faz três semanas que a menina da limpeza não vem. A campainha até tocou nos primeiros dias, mas não tinha ninguém em casa. Eu ouvia e sabia que ela não poderia ajeitar nada. O lixeiro do banheiro abarrotado de papéis sujos. A poeira acumulada me fez ter uma crise de renite. Os papéis sujos. O vaso sanitário esta amarelado. O ralo entupiu ontem. Não sei se foi a falta de limpeza ou alguma doença degenerativa, mas notei muitos fios de cabelos caírem de mim. Caíram também as calças. As blusas se sustentam em ombros largos e magros. O lençol tem um cheiro azedo. As janelas não são abertas há dias. Um suor gélido numa pele também amarelada. Talvez cortem a água e a luz. Não que venha a fazer diferença, mas me deixa seguro saber que a qualquer momento eu posso voltar à rotina. Ainda me restam 2 garrafas d’água, uma pacote de biscoito, dois pães e um retrato. Mas como um dia precisarei destruir tudo, só me restará o retrato. É curioso sofrer por amor. Eu, por exemplo, sofro sempre com uma sensação de lamentação. Não deu certo de novo, mas tudo bem, ele era um babaca mesmo. E, quando a gente acaba sem amar, o adeus sai quase como uma alforria. Mas o amor condena. Um adeus para quem se ama sai grunhindo, sai rasgando. A dor da lamentação torna-se uma facada pelas costas: como se lamentar por dizer adeus? Como dizer adeus a quem se ama?
Não, ele não era um babaca. A vida é! A vida é tão estúpida quanto uma segunda-feira. Que dia será hoje? Tantos se passaram pelas cortinas que se perdeu de vista o prédio que se erguia enquanto eu e ele tomávamos café da manhã juntos, olhando para uma praia que era, aos poucos, escondida por trinta metros de concreto. Deve estar perto do dia vinte e dois. Acho melhor procurar um café. Dia vinte e dois... Foi tão rápido. Rápido demais, inclusive. Quem disse a ele que poderia simplesmente chegar naquela noite fria e me oferecer um copo de vinho barato num copo de plástico e achar que um beijo quatro horas depois seria um atestado de vida eterna juntos? Eu sempre tive uma certeza: entre um litro de leite e o amor não há diferenças, tudo se estraga um dia. Nada supera a perenidade e no fim é sempre o mesmo fim. Então, por que eu iria acreditar num futuro? Eu não acreditei. Não até algum tempo atrás. Naquele dia chegamos de uma tempestade, e só eu sei como fico nos dias de chuva. Por isso, e só por isso, pela chuva, que eu chorei. E chorei e chorei e chorei. Deitado nos braços dele, eu chorei. Chorei e entreguei os pontos. Sempre perco o jogo nesse momento. Mas também, que pensamento pouco estrategista esse de entregar os pontos. Ninguém ganha nada entregando os pontos ao adversário. Porém ele não me foi um competidor. Ele estava do meu lado, me abraçando, olhando nos meus olhos e ouvindo que eu tinha medo de amar. Quem amou demais sabe que a dor do amor perfura carne, músculos, ossos, alma e coração. E eu já não podia mais me entregar ao perigo dessa força. Nesse dia, depois da chuva, depois do choro, depois que eu senti que naqueles braços eu poderia ser protegido, depois daquelas três ultimas palavras, depois que nada mais poderia ser feito, eu me conformei que o amava e que nada impediria de sermos para sempre um só ser. Passei a acreditar, assim como ele acreditava, que o futuro é um dia ensolarado na praia. Mas ele é um babaca. Desculpa. Não, ele não é um babaca: a vida é! Tudo se inverteu e se confundiu naquela noite quente e conturbada. E ele foi um babaca. E isso já não importa, pois nada nos fará ficar juntos novamente. Eu tenho duas garrafas d’água, um pacote de biscoito, dois pães e um retrato e nada mais me é necessário. Com exceção do retrato, eu me satisfaço com o que me resta e não peço dó nem pena de ninguém. Minha cama me aquece e meu travesseiro me acalanta o suficiente para que eu precise de qualquer novo amor ou ainda um amigo que seja. Eu estou sozinho aqui nesse apartamento sujo e fedido. Antes eu chorava, mas estava me saindo muito cansativo... Eu preciso de dedos longos e mãos fortes! As suas! Eu te amo e essa cama é grande demais para minha dor. Ela é grande também, minha dor, mas nada ira se deitar no seu lugar, que continua limpo, apesar de tudo. Porém você não voltará. Eu não te quero na minha cama! Quero uma lembrança que precisa perdurar. Que tem que perdurar! Por favor, permaneça na minha cama. Seu corpo nu, suado e cheiroso ao meu lado. Uma imagem que me faz lembrar que você é um babaca que eu amo e que não se apagará da minha frente nunca mais. Porém você é passado, e todo passado tem um destino só: arruinar o futuro. Por isso continuo aqui. Três semanas se passaram e daqui até o final dos tempos o resto que não é perecível permanecerá. Terei cômodos, roupas e um retrato para figurar meus últimos dias sem luz e sem água, pois até lá os rapazes da companhia telefônica e da companhia de energia elétrica terão desistido de mim. Eles estão certos. Eu também desisti. Assim como desisti de você.

3 comentários:

  1. dolorosamente lindo.
    eu não conseguiria ir tão a fundo como vc foi nesse texto, toca em tantos sentimentos e tem várias coisas que eu prefiro deixar guardadas.

    lindo mesmo.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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