18.2.10

Madrugueiros

É duro pensar que a vida pode ser boa enquanto esse sol não chega. Quem acorda nas madrugadas sabe que o sol sempre custa a chegar e que o tempo de uma noite escura pode levar uma eternidade. O tempo estático, sereno e mortífero como uma serpente. Nessa aurora de pássaros cantantes parece que você é o único ser vivo incapaz de se comunicar com outros seres de sua espécie. Nem mesmo há qualquer impulso, por menor que seja, de se cantar qualquer idéia de felicidade. Não há felicidade para quem acorda na madrugada. É solitário andar nesse vão de pensamentos quase tão escuro quanto aqueles olhos. Porque não há noite que me rasgue mais do que o negrume daqueles olhos. É olhá-lo para perceber aquilo que oras me eleva, oras me condena. Mentiram para minha menina que “eu te amo” pode ser um passaporte para a ruína. E quando eu disse essas três palavras, quis ela que o mundo fosse uma montanha russa. Mas esqueceu que carros também podem descarrilhar. Esqueceu de me avisar que as decidas seriam dolorosas e que subir seria tão rápido que eu quase não iria notar, enquanto que as decidas seriam longas quedas livres. Perceber o amor é algo irremediável. Por isso dou um bom conselho: nunca perceba-o. Quando ouvir aquela voz vindo de dentro, querendo dizer algo macio como seda, se finja de doido, haja como se não fosse com você. O melhor é amar sem perceber que se ama. Amando descompromissadamente se é capaz de sentir o intocável, viver aquilo que durante toda sua vida esperou para ser vivido, mas que você jamais poderia imaginar.

Um comentário:

  1. qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura (joão guimarães rosa)

    não tem como não querer perceber...

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