3.11.10

Eu não douro a pílula

Eu tenho sofrido uma dor silenciosa. Uma dor que não chora. Que não grita. Nem ao menos uma dor dissimulada, que tenta esconder-se atrás de risos e outras vulgaridades. Uma dor que não se mexe, quieta, sombria. Ninguém poderia acreditar, mas você me arrasou. Logo você que tão longe estava de ser aquilo que se encaixa em mim. Acontece que ficou em mim uma falta, um buraco que não se fecha. As feridas em aberto dilaceram minha alma. Estou infeccionado, doente, frio como um parasitado. Inchado das pancadas. Esgotado. Suas verdades tão sinceras que hoje me fazem crer que não há verdades. Logo quando meus cacos estavam secando a cola você me despedaçou. Estou quebrado. Eu não precisava disso. Eu até lutei, tentei evitar seus beijos, mas quando percebi eu já estava no seu colo chorando e me entregando àquelas palavras que soaram tão amigavelmente. Eu não resisti. Deixei fluir nas veias um amor letal. E ele tem me matado numa tortura impiedosa. Você foi impiedoso.
Chorar perdeu todo o sentido. A dor engasga e nem as lágrimas aliviam o que ficou preso aqui dentro. Por isso me calo. Por isso não saio. Por isso me prendi aqui. Já não posso sorrir. Como sorrir? Exibir os dentes amarelados de uma boca mal tratada? O café corroeu todo o brilho desse sorriso. Preciso manter-me acordado. Não devo nunca fechar os olhos. Nunca! Fechá-los seria um suicídio. É preciso lembrar-me que estou vivo. Ou que pelo menos respiro, já que viver necessita algo mais do que essa conduta ineficiente. Vejo as peles se acumularem como colchas velhas que repousam sobre uma prateleira empoeirada, todas cuidadosamente dobradas por uma tia ou tia avó. O corpo reage desastrosamente aos poucos cuidados de seu dono. Os músculos cedem. Os ossos rangem. Mantém-se em atividade apenas meu sexo. Ereto. Viril. Brilhante como uma bola de bilhar. Latejante. As forças que o sustentam vêm de cantos obscuros, pois nada, repito que absolutamente nada justifica sua existência. Não sorrio. Não como. Não durmo. Não penso. Não converso. Não desejo. Não, não e não. Nada. Nenhum. Ninguém. Não... tenho vivido os dias sem nem saber que eles existem. As cortinas fechadas me enganam. Posso estar aqui há um ano ou nem mesmo dois dias, pouco importa o tempo corrido. Ficarei aqui para sempre. O cheiro azeda nas toalhas bordadas com estúpidas iniciais. Fiz questão de usar todas elas para limpar meu prazer de auto-enclausuramento. Melhor ficar só. Andar pelas ruas significa me arriscar: você pode cruzar a rua apertado nos jeans azul claro. Toda uma infinidade de desastres incalculáveis. Prefiro minha solidão. Nela eu posso recriar um mundo ausente de ti. Este é meu novo mundo. Eu estou enlouquecendo. Desenho prédios e amigos numa cidade fictícia. Fico rabiscando frases desconexas que tentem explicar ou confortar a tortura que pesa sobre meu peito: sua ausência. Tenho sentido cada dia passar amargando na boca. As mãos estão magras. Meus cabelos descem com a espuma branca do xampoo. Meu hálito certifica a falta de comida em mim. Até meus olhos, amor, você não acreditaria. Eles perderam toda cor. São duas bolas negras que brilham pela minha saudade. Estou perdendo os sentidos. Fico vagando pelas noites. Às vezes vou até a janela esperar que seu carro entre pela rua e que você venha me acalmar. Deixo o telefone sempre por perto para quando você ligar. Sei que ele não irá tocar... Deixo por perto também para que eu possa me sustentar no desespero e te ligar pedindo um abraço. Eu me decidi: irei desistir de tudo. Faculdade, trabalho, projetos, amigos, tudo! Quando coloquei Bethania hoje percebi que não podia me enganar mais. Ou eu fujo daqui ou eu fujo da vida. É desesperador pensar em todas as cartas de adeus que eu teria que escrever caso escolhesse a segunda opção. Sendo assim, irei abandonar essa cidade real. É estranho perceber que você existe para além da minha retina. Se você fosse apenas um sonho ruim eu teria a certeza que lhe ver era apenas um azar do sono. Mas não, você vive, se move, anda pelas ruas desfilando ar. E encontrar essa massa corpórea compete com minha tranqüilidade. Não posso mais andar por ai com medo de te ver, sabendo que seu sorriso irá me matar no primeiro momento. Por isso me despeço com um último “eu te amo”, a única verdade em tudo isso. A única verdade, pensando bem, é que você foi uma mentira. Contada tantas vezes que acreditei ser real. Hoje, só me restou o amargo. Você é intragável.

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