11.7.12

Hipocondríaco inconsequente

É que eu estava num daqueles momentos da vida em que tudo te irrita, que tudo faz pressão e você acha que pode explodir a qualquer momento, sabe? E nesse mundo louco de hipocondríacos, onde se cura desde dor de cabeça até solidão com remédios, fui intuitivamente para a farmácia. Achando que o problema era sério, fui até a estante daqueles remédios perigosos de tão forte. Aquelas listras pretas em fundos brancos já me deixaram deprimido. Faltava uma cor, uma alegria... Peguei o que me pareceu ser mais forte e fui embora. Se eu fosse inteligente, teria me lembrado das propagandas do governo federal e teria lido a bula, mas tomei metade da caixa sem nem pensar duas vezes. Foi então que tudo começou.

Eu conheci uma pessoa que me fez acreditar que estaria comigo para sempre. Eu não estava no meu estado normal, o remédio havia dado algum efeito. Só sei que acreditei nas palavras de cordeiro daquela fera. Ela me jurou palavras bonitas, me mostrou lugares encantados, cantou músicas suaves, me acariciava com toda delicadeza, como a um bebê. Eu fui hipnotizado, estava embevecido por aquele cheiro.
Decidimos então que seríamos uma só pessoa. A partir daí nunca mais fomos vistos como dois, e sim como um. Era lindo, duas pessoas em um só corpo. As pessoas olhavam e sentiam até inveja, eu bem sei.
Mas agora, o que eu não daria para não ter feito isso. Aquela feiticeira me enganou. Enquanto éramos um, dei tudo que era meu. Nada ficou pra mim, dei tudo, fiz dela mais de mim do que eu próprio sou. Ainda drogado pelo remédio, acreditei que ela fizera o mesmo. Não fizera. E como as ervas daninhas que crescem, se amontoam, cercam e sugam toda a vivacidade das plantas mais belas, ela se aninhou em mim e me levou tudo. Sorrateiramente, ela levou minha cor, meu sorriso, minha fome, minha sede, minha sagacidade, minha pele. Deixou-me em carne viva, músculo vermelho à tona, ossos expostos, coração frágil, contorcido. Até meu oxigênio ela tomou.
Quando achou que já era de bom tom, ela foi embora, desfez a unidade de dois. E foi tudo tão rápido, tão de repente, tão inesperado, que nem tive tempo de tentar recuperar o que era meu. Ela deixou todo meu corpo dissolvido, uma massa suja e velha, um peito sôfrego. A cabeça sempre a doer, sem dormir jamais. Um estado de subvida.
Hoje só uma cosia me matem vivo. Todos os dias compro, e às vezes roubo, aquele remédio na farmácia. Eu não queria, mas é a única coisa que ainda me dá forças, senão nem estaria mais vivo. Tornei-me um dependente, sei disso. Mas só quem não tem mais nada a perder pode se dar ao luxo de se viciar. Se eu pudesse, juro que mudaria tudo. Nunca teria tomado aqueles comprimidos e assim nunca teria perdido o que sou. Ou o que eu era. Se eu tivesse lido a bula... Se eu tivesse lido, jamais teria me viciado e saberia as conseqüências... Deus, como eu odeio a droga do amor.

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